Como culpar o vento?

Outro dia, me deparei com a frase: “Como culpar o vento pela desordem feita, se fui eu quem esqueceu a janela aberta?” — de Douglas Bucalem. E ela grudou em mim como aquelas lembranças que a gente finge esquecer, mas que continuam rondando o peito. Senti que ela estava me cutucando com uma verdade que eu precisava encarar. A gente passa tanto tempo organizando o lado de fora — dobrando roupas, arrumando armários, tentando fazer o dia render — e deixa o lado de dentro esquecido, cheio de sentimentos fora do lugar. Mágoas antigas, medos que viraram rotina, cansaços que não se dizem em voz alta. É fácil deixar acumular o que não se vê.

Percebi que por muito tempo eu fui deixando o emocional bagunçar. Fui adiando conversas, sufocando vontades, aceitando silêncios. E isso não tem nada a ver com ser forte. Às vezes, é só medo mesmo. Medo de mudar o que já é confortável, mesmo que não faça mais sentido. Medo de olhar para dentro e perceber que não sou mais a mesma. Medo de encarar que, para crescer, é preciso desapegar de versões antigas de mim mesma.

Mas aos poucos, com passos tímidos, fui abrindo as janelas por dentro. Voltar a escrever aqui, reorganizar meus horários, priorizar meu tempo com quem eu amo, ler mais, respirar fundo... tudo isso foi colocando as coisas no lugar. E sim, tem sido essencial me reconectar com o que me dá paz, como meu devocional diário e meu silêncio necessário entre um dia e outro.

Não dá para culpar o vento quando a janela estava aberta o tempo todo. Assumir a responsabilidade pelas escolhas que fazemos (ou evitamos fazer) é doloroso, mas é o primeiro passo para colocar a casa em ordem. E isso vale para fora e para dentro.

A bagunça emocional não desaparece sozinha. Ela precisa ser enxergada, ouvida e cuidada. Às vezes, o caos que sentimos não vem do mundo, mas do que deixamos se acumular dentro da gente.

E que bom saber que sempre dá pra recomeçar. Organizar. Respirar. Escolher diferente. Ser mais honesta comigo mesma. Porque no fim, não dá pra ser feliz carregando tralhas na alma. A felicidade precisa de espaço.

Esse texto é uma releitura na reflexão de Marcel Camargo.
Trecho original: "Ponha Ordem Nessa Bagunça Emocional" [+++]